De Fátima Caçador/Casa dos Bits
Semana nº 962 de 12 a 18 de Fevereiro de 2010
Definido como um sector estratégico para a competitividade da economia portuguesa, o turismo é uma das áreas agregadoras de investimento e o Governo tem vindo a canalizar para esta área recursos que visam a modernização e a qualificação da oferta, contemplados no Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT). Apresentado em 2007, este plano prevê que Portugal receba 21 milhões de turistas e atinja os 15,5 mil milhões de euros de receitas em 2015, definindo uma série de medidas de actuação para atingir essa meta, das quais as tecnologias da informação são parte integrante como forma de captar visitantes mas também como ferramenta de ligação entre os agentes privados e públicos, facilitando a desburocratização e agilização de procedimentos.
Esta aposta pública nas TIC, que tem sido espelhada por diversos projectos promovidos a partir do Turismo de Portugal, a autoridade turística nacional, ligada ao Ministério da Economia, que agrega uma série de competências que antes estavam dispersas por várias entidades, não tem um paralelo homogéneo do lado do sector privado, ainda longe da maturidade desejada na adopção de ferramentas TIC para a gestão de processos de negócio e contacto com os clientes.
Tal como acontece noutras áreas da indústria e serviços, o sector de turismo navega a diferentes ritmos de acordo com a capacidade de investimento e da percepção dos proprietários dos empreendimentos em relação à rentabilidade do mesmo. Com uma presença Web já significativamente elevada face a outras indústrias, há ainda muito trabalho a fazer na área da operacionalização das infra-estruturas de comunicação, software de gestão e CRM, mas quem está mais à frente começa a desbravar os novos caminhos ligados às redes sociais, à Web 2.0 e ao potencial da georreferenciação de conteúdos para atrair novos clientes, combatendo a crise económica que também afectou este sector.
Os últimos números do Instituto Nacional de Estatística, ainda relativos a 2008, mostravam que 80% dos estabelecimentos hoteleiros em Portugal utilizavam computador no exercício da sua actividade, estando 75% presentes na Internet, sendo o uso destas tecnologias praticamente generalizado para os estabelecimentos com 10 ou mais pessoas ao serviço. As reservas de alojamento através da Internet eram também já um recurso de grande penetração, com aplicação garantida por 65% das entidades incluídas neste «Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação nos Estabelecimentos Hoteleiros».
O grau de utilização destas tecnologias variava, porém, de acordo com a dimensão dos estabelecimentos, com a totalidade dos grandes hotéis (com 250 ou mais pessoas ao serviço) a revelarem um recurso mais integrado, com 100% de uso de computadores e presença na Web, um valor que desce para 61,5 % e 57% no caso dos que empregavam menos de 10 pessoas. Mas este é um retrato que – embora favorável – não passa de uma visão superficial, não revelando de que forma as tecnologias são ou não apropriadas pelos agentes ligados ao turismo no dia-a-dia da sua actividade operacional e na relação com os clientes.
Alicerçado no conhecimento do sector que advém da sua posição de director de TI do Turismo de Portugal, Hugo Sousa reconhece que «na grande maioria dos casos os serviços mínimos tecnológicos já estão assegurados. As entidades começam agora a dar os primeiros passos suportados em estratégias tecnológicas que procuram fidelizar e conhecer o cliente». Ainda assim, este responsável acredita que há ainda um longo caminho a percorrer. Sobretudo «ao nível do contacto com o exterior» onde será necessário trabalhar na adaptação ao mundo 2.0 e ao conhecimento individual do cliente, áreas que define como essenciais para os operadores turísticos que pretendem conquistar clientes entre a chamada Geração Y, que abandonou as formas tradicionais de comprar pacotes turísticos para recorrer cada vez mais ao sistema de recomendações de amigos ou de redes sociais.
As mudanças que se registaram na apropriação das ferramentas tecnológicas pelo sector são igualmente apontadas por Pedro Seabra, CEO da Viatecla. «É um sector que nos últimos 10 anos mudou completamente por causa da Internet e das TIC em geral», justifica o fundador da empresa que tem vindo a apostar no desenvolvimento da plataforma KEYforTavel, que integra gestão de produto e agregação da oferta, passando pela distribuição e promoção, gestão do cliente e gestão comercial, com facturação e controlo de gestão.
Face a esta perspectiva de crescimento, as oportunidades que se criam para as empresas de tecnologias da informação e comunicação são múltiplas, como admite o CEO da Viatecla, que considera que «são ainda muito poucas as organizações já fazem uso pleno das possibilidades que as TIC trazem».
Fragilidades pontuais ou conjunturais?
Mas, muito embora o potencial exista, a conjuntura não permite que todas as projecções de adopção reforçada de ferramentas tecnológicas no sector do turismo sejam optimistas. Como noutras áreas, a crise económica transversal aos vários sectores do tecido empresarial apresenta-se como um dos principais entraves a esta curva ascendente de investimento em tecnologias que potenciam a melhoria da actividade e da oferta de serviços dos agentes turísticos. «Esta crise financeira afectou fortemente o sector do turismo e hotelaria em Portugal, registando-se uma redução nas taxas de ocupação», o que faz com que a focalização esteja agora no corte de custos, alerta Paulo Rosa, director-geral da Vexcorp Portugal, que comercializa soluções de gestão de redes de acesso à Internet em banda larga, adaptáveis a qualquer hotel ou hotspot.
A menor capacidade de investimento e uma visão mais limitada sobre o impacto da implementação de algumas ferramentas, como os sites reflecte-se também no alongamento do ciclo de decisão. Sofia Rodrigues, responsável de media da consultora XYZT, confirma que o tempo de adopção das soluções tecnológicas é superior ao que se regista na média do sector a nível europeu. «Existe ainda algum desconhecimento sobre o potencial e a necessidade de manterem uma presença constante neste canal, logo nem sempre o hotel consegue avaliar o retorno associado a estas apostas estratégicas», explica. Com soluções totalmente orientadas para a exploração do canal online como canal de vendas de um hotel, através da plataforma e-GDS, a consultora lembra que nesta área é necessária uma reacção célere, sob o risco de a entidade ser ultrapassada por ofertas concorrentes.
Mas as fragilidades do sector estendem-se também à «implementação e adequação da tecnologia ao trabalho diário», sublinha Pedro Pupo, acting country manager da Amadeus Portugal, que aponta também «o desconhecimento de como a integração de sistemas pode reduzir as margens de erro e aumentar a produtividade, possibilitando a canalização de recursos para outras áreas». A Amadeus desenvolve diversas soluções tecnológicas para a área do turismo, que abrangem as necessidades de vários tipos de agentes, desde as agências de viagens às companhias aéreas, passando pelos hotéis e que vão desde front-offices web-based para distribuição, como é o caso do Amadeus Selling Platform, até soluções de revenue e property management, no caso específico da hotelaria, e internet booking engines com o Amadeus e-Retail Engine.
Mesmo com os constrangimentos identificados, os agentes continuam a mostrar grande apetência pelas soluções diferenciadoras, investindo muitas vezes de forma visionária. «É um sector ávido por tecnologia útil, que permita a diferenciação personalizada, um retorno de investimento e um desenvolvimento efectivo do negócio, conjuntamente com um aumento do grau de fidelidade dos clientes», justifica Aureliano João Pinheiro, account manager da Alcatel-Lucent para a área de Educação, Hospitalidade e Indústria, traçando uma lista dos elementos que continuam a dinamizar o investimento. A multinacional tem para este sector um portfolio completo de soluções de comunicações abrangentes, desde voz, dados, segurança e aplicações, uma das áreas onde está a crescer o interesse dos agentes, quer para utilização nas suas infra-estruturas, quer para disponibilização de novos serviços aos clientes.
Desde a promoção do serviço junto de potenciais clientes à oferta de serviços dentro das instalações hoteleiras, a Internet é apontada por todos os players contactados pelo Semana como geradora de oportunidades a diferentes níveis. A Nonius é uma das empresas que têm vindo a explorar duas dessas vertentes, com a oferta de soluções que permitem criar uma infra-estrutura de serviços de acesso à Internet dentro da unidade hoteleira, mas também com a dinamização de uma plataforma de distribuição de conteúdos e entretenimento, o NiVo. «O serviço de acesso à Internet, tornou-se um must have, visto por muitos clientes como a necessidade de disponibilização de luz e água, sendo um factor sempre em conta na escolha de um hotel, quer seja uma viagem de negócios ou lazer», sublinha Marisa Pires, assistente de marketing da empresa, que tem vindo a promover esta solução que combina a oferta de TV e aluguer de filmes de alta definição com a possibilidade de aceder a conteúdos na TV da Internet (como por exemplo o YouTube ou o Facebook), jogar um jogo na TV ou escutar uma estação de rádio.
Oportunidades 2.0
A crescente popularidade das redes sociais como fontes de referenciação de experiências e aquisição foi também já identificada pelos agentes turísticos, que em alguns casos estão a tirar partido activamente desse meio de promoção, especialmente no Twitter e no Facebook, dois dos serviços com maior visibilidade, embora de forma ainda incipiente.
«A abrangência destes novos canais é de tal maneira importante que é impossível ficar-lhes indiferente e, claro, não os utilizar», sublinha Pedro Pupo, da Amadeus Portugal, que reconhece um «interesse globalizado por este tipo de tecnologias».
A opinião é partilhada por Hugo Sousa, director de TI do Turismo de Portugal, que acredita que os agentes turísticos não podem ficar indiferentes a esta realidade. «Estou certo que este contexto traduz-se numa grande oportunidade! Há espaço por ocupar!», alerta, lembrando que como não existem ainda melhores práticas globalmente aceites só as organizações mais inovadoras e disruptivas decidem arriscar e tomar a dianteira. Nesta área as PME e microempresas podem ter uma oportunidade a aproveitar, já que costumam ter uma maior flexibilidade e versatilidade do que as grandes organizações que tradicionalmente são mais formais e hierárquicas reagindo com maior lentidão na resposta aos estímulos do mercado.
A mesma fórmula aplica-se à utilização de ferramentas de georreferenciação que permitem cruzar diferentes elementos culturais, de entretenimento e até turismo de natureza e histórico com a oferta de alojamento e gastronomia, factores cada vez mais ligadas aos pontos-chave de decisão de destinos de viagem. A Viatecla é uma das empresas que estão atentas a esta área e desde 2007 que desenvolve no seu laboratório novos componentes que permitem georreferenciar a oferta dos seus clientes, apresentando-a de forma mais interactiva ao utilizador.
Pedro Pupo, da Amadeus, reconhece também que esta é uma área na qual se investe cada vez mais e a empresa integrou recentemente a solução Amadeus Hotels Plus que conta já com conteúdo rico, como o bird´s-eye view ou a funcionalidade "hop from the map, que permite a reserva de noites de hotel através de um mapa onde se indicam pontos de referência da cidade solicitada.
A ligação a sistemas de referência geográfica e de integração com plataformas Web 2.0 estão certamente na rota das tendências dos próximos anos, onde os clientes são cada vez mais conhecedores das ferramentas de pesquisa e cruzamento de informação, e exploram as plataformas Web de forma mais intensa para escolha dos destinos de férias e lazer, mas as apostas do sector têm de passar também pelo reforço da informação para smartphones e outros equipamentos móveis, como lembra Aureliano João Pinheiro, da Alcatel-Lucent.
O futuro próximo passa também pela integração dos múltiplos canais de contacto com os hotéis e agentes turísticos, referencia Pedro Seabra, CEO da Viatecla, à semelhança do que já acontece na banca, permitindo ao cliente fazer uma compra no site e dirigir-se a qualquer balcão da rede do agente e fazer o follow-up do processo, ou vice-versa.
Mas, com uma visão mais abrangente e desligada dos produtos e tecnologias propriamente ditas, Hugo Sousa, director de TI do Turismo de Portugal, acredita que a principal tendência do sector será o grande crescimento da percepção da parte da gestão de topo das empresas e agentes do sector de que as TIC são verdadeiramente um factor de vantagem competitiva estratégico para o negócio e não apenas um conjunto de ferramentas de suporte.
«Nos próximos dois anos quem decide vai deixar obrigatoriamente de ver a tecnologia como algo meramente instrumental. Será potencialmente o momento em que os conselhos de administração dos principais players do sector passarão a ter um CIO ao invés do tradicional CFO que acumula as responsabilidades de responsável da informática. É esta visão que se precisa. É esta a visão que inevitavelmente acredito que se vai materializar nos próximos 2 anos», preconiza.
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